Nova coluna no site: Conheçam A Arte do Shogi

Olá pessoal, sejam bem-vindos ao meu primeiro artigo. O meu objetivo aqui será mostrar a vocês a beleza, a técnica e a Arte do Shogi, bem como cobrir eventos relacionados sempre que possível.

E antes de ensinar qualquer coisa relacionada a movimento de peças, táticas e movimentos ofensivos ou defensivos, quero lhes contar como este jogo maravilhoso foi criado e se situa atualmente.

Shogi (pronuncia-se “xôgui”, como paroxítona) é um jogo de origem japonesa. Embora seja popularmente conhecido como “Xadrez japonês”, a sua tradução correta é “jogo dos generais”. Tem a sua criação inspirada no jogo indiano Chaturanga, criado no século II a.C. Tal jogo foi o que deu origem ao Xadrez na Europa, ao Xiang-qi na China, o Makruk na Tailândia e o Janggi na Coréia. No Japão, ele chegou no século VIII e as fontes sobre a sua oficialização como jogo japonês variam datando o fato entre os séculos XI e XIV.

Do Chaturanga ao Shogi, o caminho percorrido foi bem longo.

Durante a ocupação do Japão pelos EUA no fim da Segunda Guerra Mundial, o jogo chegou a ser proibido sob a alegação que poder recolocar em jogo sob seu controle as peças capturadas (uma regra do jogo que abordarei com detalhes nos próximos artigos) era um ato inumano. Os japoneses alegaram que o Xadrez tão admirado pelos americanos era ainda pior, pois promovia a chacina das peças adversárias e não dava a elas uma segunda chance de se redimir. Daí o jogo passou a ser permitido.

Não seria um erro dizer que o Shogi é para os japoneses o que o futebol é para os brasileiros. Crianças jogam uma variação infantil chamada “Doubutsu Shogi”, criada pela jogadora profissional Madoka Kitao, adultos jogam em clubes ou pela internet e há até jogadores profissionais de ambos os sexos. Sem contar que ele é amplamente divulgado na cultura japonesa em novelas, mangás e animes. Por isso, toda vez que quero indicar o Shogi a alguém eu a faço lembrar-se do Shikamaru, do anime/mangá “Naruto”.

DoubutsuShogi. O Shogi para crianças.

É possível ser um jogador profissional fora do Japão? Sim. Mas é algo bem difícil. A polaca Karolina Kystina Styczynska, por exemplo, jogava até 5 horas por dia pela internet. A aprovação de um profissional é feita pela Shoureikai (organização dedicada à formação de jogadores profissionais, administrada pela Confederação de Shogi do Japão). A idade máxima é de 19 anos para os homens e 25 para mulheres (que são avaliadas por outra organização, a Kensyukai), apenas com indicação de outro profissional. Detalhe: apenas 4 jogadores por ano são aprovados.

E como este jogo veio parar no Brasil?

O programa de incentivo à imigração de japoneses do governo brasileiro, em 1908, trouxe os primeiros jogadores que precisavam encontrar alguma atividade em meio aos dois meses de viagem de navio e os momentos de lazer no Brasil. Com a Segunda Guerra, o governo brasileiro cortou relações com o Japão e a coisa não ficou melhor com a derrota para os Aliados, eixo do qual o Brasil fez parte. A comunidade japonesa precisou se conciliar e se unir para realizar o primeiro campeonato de Shogi e criar a Associação Brasileira de Shogi, em 1955.

Infelizmente as coisas foram decaindo gradativamente em nosso país. O programa de imigração foi encerrado em 1972 e cada vez menos japoneses vêm morar no Brasil (em minha opinião, algo justificado pela má qualidade de vida que temos em comparação ao que se tem no Japão) e sem fluxo migratório, há menos jogadores de Shogi vindo para o nosso país. E a população jogadora por aqui vem diminuindo pelo envelhecimento. Atualmente, a Associação conta com apenas 50 membros e se reúne em um salão menor que uma casa popular, com espaço para algo em torno de 10 jogadores. Há projetos de revitalização do espaço e melhoras para atrair novos jogadores. No entanto, tais projetos dependem de aprovações de órgãos elevadíssimos (lembrem-se: os japoneses têm muito zelo por este jogo) e apoio financeiro.

A produção de conteúdo sobre Shogi depende de tradutores em japonês ou inglês. Equipes como a “Jota – Jogos de Tabuleiro” ou “Recanto do Shogi” até procuram fazer a sua parte e criar artigos, vídeos e workshops para divulgar o jogo. Alguns livros como “Shogi”, do brasileiro naturalizado húngaro Jorge Melecsevics, ou “Como Jogar Shogui”, podem ser encontrados em português (farei a indicação de cada um gradualmente em cada artigo, no quadro “Indicando Shogi”). Infelizmente, além de serem poucos comparados a outros jogos, eles dependem de apoios financeiros que nem sempre vêm a tempo. São quase grãos de areia ao vento.

E talvez vocês estejam se perguntando: como um cara negro, que mora na zona leste de São Paulo e sem descendência ou fortes vínculos com a comunidade japonesa conheceu este jogo e se interessou tanto por ele?

Comecei a me interessar pelo Shogi em 2015. Eu já o conhecia por menções em animes e mangás e tinha ligeiríssima familiaridade com ele por jogar Xadrez desde 2000, que aprendi em um Centro Cultural no meu bairro. Na época em que meu interesse foi despertado, eu trabalhava em um tedioso serviço de callcenter, com acesso relativamente bloqueado à internet, mas que não me impediu de ler os movimentos das peças na Wikipedia e já imaginar estratégias de jogo em meu primeiro tabuleiro: um desenho no bloco de notas do Windows (!!!).

Naquele mesmo ano, baixei o aplicativo “Kanazawa Shogi level 100” e fui procurando praticar. Porém, a minha melhora só veio com a primeira visita que fiz à Associação, cujo espaço na época era um pouco maior do que hoje. E fiquei ainda mais motivado depois de um workshop promovido pela galera do Jota e a compra de um tabuleiro em 2019.

Uma vez por mês, apareço no Centro Cultural São Paulo, na Vergueiro, onde encontro alguns jogadores e duelamos esporadicamente.

Na data em que este artigo será publicado (estou escrevendo com meses de antecedência, para dar tempo de cada texto ser revisado com calma e ter bastante informações acrescentadas), espero já ter aprendido e praticado muito para ser mais um grão que vai ajudar o Shogi a ser admirado, querido e jogado.

Muito obrigado a todos(as) e até a próxima!

Davi Paiva nasceu em São Paulo, capital, em 1987. É graduado em Letras pela Universidade Cruzeiro do Sul. Participou de várias antologias de contos por diversas editoras, inclusive nas obras “Poderes”,“Monstros entre Nós”, “Guerreiros” e “Magos” pela Darda Editora, onde foi coautor e organizador, e é autor do livro “Cavaleiro Negro”, que também saiu pela mesma editora.

Publica seus textos no blog detonerds.blogspot.com.br e no site Animexis.com.br

Contato com o autor: davi_paiv@hotmail.com ou via Facebook: facebook.com/davipaivalivrosetextos/